domingo, 19 de agosto de 2012


Quando escrevo posso tudo o que eu quero!
A hora em que escrevo é a hora em que mais tenho poder!

Hoje apaguei tudo o que eu havia escrito até aqui.
Senti-me um idiota vaidoso. Nem sei pra quem escrevo,
e sempre acho tudo tão óbvio.

Por acaso se encerra a contagem do tempo?
Posso apagar o que passou?
Quantas chances terei?

Ontem ouvi na rua alguém repetindo a frase de outro alguém que dizia assim: até os 40 anos se escreve. Depois dos 40, se faz a análise!

Acho até  bom todo dia arriscar mais: fazer aquele telefonema, correr atrás, passar vergonha...escrever...escrever!

E numa rima minha, arriscada:

“Depois um dia a gente senta,
tomando um chá,
e sem pressa se lembra,
te tudo o que não voltará”.

domingo, 10 de junho de 2012

Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.

Manoel de Barros

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Retrato em Preto e Branco


Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho
E sei também que ali sozinho
Eu vou ficar, tanto pior
O que é que eu posso contra o encanto
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto
E que no entanto
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes velhos fatos
Que num álbum de retrato
Eu teimo em colecionar
Lá vou eu de novo como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração

Chico Buarque                              

sábado, 17 de março de 2012

VII Epístola ao Outono

Sinto que todo dia aprendo um pouco, mas sinto também que poderia aprender mais. Não sou bom em dar conselhos, ou em escrever coisas que movam gentes. Sempre acho muito pretensiosa a forma como faço isso, e ainda estou muito longe de chegar a um nível razoável. Acho que faço só para sentir que faço alguma coisa e que não estou parado.

E sobre a arte: sempre disse que há muita coisa nesse mundo que não sei fazer, mas sei bater palma. Sei admirar quem faz e me esforço para entender cada vez mais essas tantas artes refinadas que quase conseguem traduzir a vida.

Existe um milhão de conceitos para o que é ARTE. Mas fico aqui com o mais simples e o melhor deles, o mais universal, que diz que arte é tudo aquilo que é belo e que te traz algum tipo de emoção.

Viver na arte é criar um mundo para si. É construir um palco e deixar desfilar livres as emoções. É não se conformar com a realidade prática das coisas e das relações humanas, ás vezes tão podres e tão perversas. É fantasiar, é acreditar que uma música resume toda a sua vida. Mas a música pode mudar todos os dias. Por que assim como a vida, ela pode ser sempre mais.

Hoje é o último sábado antes do Verão. Logo chegarás. Não te terei em meus braços, e nem sequer poderei te tocar, pois isso, para a natureza humana, não é lícito. No entanto e ao contrário, tu me terás e me envolveras com teus ventos tão refrescantes que trazem esta tristeza boa de que tanto falo, que tanto tento dizer, mas nunca consigo. De cuja explicação, sempre falta uma parte.

Espero que venhas e que fiques além do previsto. Que sejam longos e lindos todos esses dias. E que não tenhamos medo de morrer em qualquer um deles, pois estaremos invariavelmente felizes.

domingo, 11 de março de 2012

VI Epístola ao Outono

Deixa vir de dentro! Ouve-te a ti mesmo. Existem coisas que possibilitam esta experiência, que facilitam o processo! Uma música clássica, por exemplo. Tive esta experiência hoje, quando fui à apresentação de uma orquestra. Foi uma hora e meia de encontro comigo mesmo.

Sabe, descobri que dorme em mim alguém um pouco triste e velho, mas bonito mesmo assim. Acho que é por isso que te gosto tanto, Outono. Dentre muitas coisas, te vi em mim. Acho que desde que te conheci, senti em ti isso também, esse leve traço de tristeza, que deixa o homem mais belo. Outro dia te falei, talvez não lembres, que tinhas as medidas certas da beleza, da timidez e da coragem. Hoje descobri que de fato tens as medidas certas da beleza, da timidez e da coragem. Mas também ás da tristeza.

Tu sabes o que te faz chorar, o que te faz rir? Tu sabes o que te faz querer ficar, e o que te faz querer partir?

Tenta esta experiência. Tenta, força ou cria este encontro contigo mesmo. E assim como eu, espero que também tu, me encontres em ti.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Saudade

E por falar em saudade, onde anda você
Onde andam seus olhos, que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou louco de tanto prazer
E por falar em beleza, onde anda a canção
Que se ouvia na noite dos bares de então
Onde a gente ficava, onde a gente se amava
Em total solidão
Hoje eu saio na noite vazia
Numa boemia sem razão de ser
Na rotina dos bares, que apesar dos pesares,
Me trazem você
E por falar em paixão, em razão de viver,
Você bem que podia me aparecer
Nesses mesmos lugares, na noite, nos bares
Onde anda você?

Vinícius de Moraes

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Viver do amor

Pra se viver do amor
Há que esquecer o amor
Há que se amar
Sem amar
Sem prazer
E com despertador
- como um funcionário

Há que penar no amor
Pra se ganhar no amor
Há que apanhar
E sangrar
E suar
Como um trabalhador

Ai, o amor
Jamais foi um sonho
O amor, eu bem sei
Já provei
E é um veneno medonho

É por isso que se há de entender
Que o amor não é um ócio
E compreender
Que o amor não é um vício
O amor é sacrifício
O amor é sacerdócio

Amar
É iluminar a dor
- como um missionário

Chico Buarque

domingo, 29 de janeiro de 2012

V Epístola ao Outono


Outono,

Amanheci com uma vontade muito grande de pensar a indiferença em que muitos vivem. Alheios a tudo e a todos, vivem seus dias intocáveis, anestesiados. Não interagem com as cabeças pensantes, as bocas falantes e brigantes, que loucas, parecem querer forçar as múmias á lutar e resistir aos abusos de mentes selvagens e desumanas, que são poucas, mas capazes de fazer estragos tremendos. Meu desejo de pensar esta indiferença de que falo, foi aceso, incendiado, por uma citação de Gramsci, que li outro dia:

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

Mas quando paro e leio expressões tão grandes de ousadia, resistência e luta, vejo que qualquer ato por mim empreendido, torna-se nada. Vem-me a mente, como fantasmas, várias situações em que calei quando deveria ter gritado. Não tenho, pois, propriedade alguma para falar do assunto. Resta-me dar voz a outros, que falarão por ti e por mim, amor Outono. Carlos Marighela diz no seu “Rondó da Liberdade”:

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Hoje falei pouco, porque mais tive a ouvir do que a dizer. E cheio de saudades, deixo-te uma idéia de João Guimarães Rosa sobre coragem, mas também sobre a vida, essa coisa que nós dois tanto gostamos de pensar. Que sejam bons os teus dias.

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".


Marcos Hinterholz
Janeiro de 2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

IV Epístola ao Outono

Outono,


Hoje a minha correspondência vem carregada de lamento. Esta semana foi marcada por circunstâncias pouco favoráveis a meu espírito. Eu teria agora, motivos suficientes para perder as esperanças no homem. Num tom de raiva te digo: existem pessoas desprezíveis, podres, que não merecem um segundo sequer de nossa atenção. Nenhum pingo de nossas energias produtoras de coisas boas. E o melhor mesmo é se afastar, porque são tão sujas que podem acabar te sujando de lama.

Já diz o povo nas ruas, há séculos: “Bolso cheio, mas cabeça vazia”. Eu diria ainda: “Bolso cheio, cabeça vazia, coração vazio”. Sei que nada é absoluto e toda regra tem suas exceções, mas estas duas frases são quase fórmulas matemáticas.

Tenho tantas coisas importantes para pensar e descobrir, que não perderei meu tempo falando sobre isso. Fica aqui o registro desta minha desventura. Mas não passará disso, um registro. E que fique registrado somente aqui, nesta carta. Que não fique registrado em mim.

Preciso te dizer que, a minha sorte é que descobri um artifício fabuloso, que me alivia qualquer dor. Quando todas essas adversidades cruzam meu caminho, é só lembrar-me de ti, de tuas qualidades e perfeição, que tudo se acalma e o dia termina bem.


Marcos Hinterholz

Janeiro de 2012

domingo, 15 de janeiro de 2012

III Epístola ao Outono

Outono,

“Para barcos que não sabem para onde querem ir, nenhum vento serve!”

Como bem sabes, não sou nenhum referencial de equilíbrio e muito já chorei aos teus ouvidos. Já me senti muito pequeno e julguei-me incapaz de cruzar o oceano de incertezas que tantas vezes descortinou-se diante de mim. Mas um belo dia nós nos descobrimos já em alto mar, e damo-nos conta de que não é tão difícil assim viver e de que não há outra escolha que não seguir.

Digo-te isto porque não me sinto seguro em fazer análises e tampouco aconselhar ninguém. Faço-o única e exclusivamente para, de certo modo, brincar com as palavras e não perder o contato contigo, que é para mim, a coisa mais importante desta vida.

Espero que eu não te assuste com o meu amor. De certa forma parece que já sabemos onde vai terminar tudo isso. Lá no final, chegaremos à conclusão de que só ele, o amor, valeu à pena e que estava sempre entre as coisas que fizeram algum sentido. Então se acalme que, não morreremos disso.

Ora, se eu digo que o amor permeia as coisas, acho então que posso dizer também que ele é o espírito das coisas. Não é matéria concreta, embora esteja nela. E embora a matéria sempre se desfaça, o espírito sempre dura. Aqui não cabe discutir mais nada sobre o amor nem sobre o espírito. Embora poetas e filósofos sejam os que melhor chegam perto do espírito, muitas vezes se afogam nele.

Acho, pois, que agora é melhor falar também da matéria. Outono, desde os primeiros dias deste ano que se iniciou, estou pensando bem mais na praticidade das coisas. E foi enquanto me encontrava nesta condição pensante que caiu no meu colo, esta peça da sabedoria popular e de autoria anônima que diz: “Para barcos que não sabem para onde querem ir, nenhum vento serve!”.

Caiu sobre minha cabeça um baú bem grande de informações. A força da pancada acordou-me para o fato de que é fundamental ter rumos bem claros, senão o barco, aqui uma metáfora da vida, ficará a dar voltas em torno de si mesmo. Ter rumos e aproveitar os ventos.

Estou disposto a arrumar a casa, para que o amor e o espírito de todas as coisas, habitem circunstâncias mais favoráveis em mim.

Atenciosamente,

Marcos Hinterholz

Janeiro de 2012.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

II Epístola ao Outono

Outono,

Ontem anotei num papel que a felicidade exige um pouco de ordem. Mas agora não lembro exatamente o que eu quis dizer com isso. Só lembro que queria te falar sobre, e que era importante. Acho que tinha alguma coisa a ver com colocar regras no nosso trabalho e nas nossas relações com o outro. Tinha alguma coisa a ver com empenhar algum esforço nesta autotransformação em busca de uma vida mais feliz, mais eficiente no resultado, desta busca eterna pela satisfação em estar vivo. Mas não lembro agora. Quem sabe um dia esta idéia me volte, até melhor, mais amadurecida pelos anos, assim como tantas outras coisas sempre voltam. Assim como tantas vezes tu foste e voltaste.

Vamos partir então do que me veio a mente hoje e daquilo que ainda me lembro. Não é nenhuma constatação, é antes, muito mais, um pressentimento: Parece mesmo que a felicidade fica escondida nas coisas. Não sei muito bem como explicar. É como o vinho talvez. Quando a criança o bebe, logo acha ruim e azedo, mas na medida em que o homem cresce, atribui a esta bebida novos e complexos significados. Isso me leva a pensar, sem muita certeza, de que a vida exige constantes esforços sensoriais para aguçar novas percepções sobre as mesmas coisas e as mesmas pessoas.
Provar de novo, tocar de novo, ouvir de novo. E de novo, e de novo e mais uma vez. Não adianta caro Outono, ficaremos refletindo daqui ao infinito e não chegaremos á uma resposta única. Mas mesmo assim, é bom te escrever, é tão bom pensar contigo e pensar em ti. Parar e desligar-me das tarefas mecânicas que repito diariamente e aventurar-me por estas idéias. Ainda bem que te tenho. Ainda bem que me ouves!

Ah, lembrei-me agora de mais uma das frases de que havia me esquecido: “Para barcos que não sabem para onde querem ir, nenhum vento serve!” Bom, terás de esperar pela próxima carta (talvez seja muita pretensão minha acreditar que esperas por elas), mas tenho certeza de que tua inteligência já te permitiu vislumbrar muito sobre o significado desta derradeira frase.
Um abraço.

Marcos Hinterholz

domingo, 1 de janeiro de 2012

I Epístola ao Outono

Querido Outono,

Andei pensando em escrever as idéias conforme elas me vêm e observar as pequenas coisas que dão todo o sentido à vida. Foi assim que Goethe escreveu, apenas com 25 anos de idade, uma de suas primeiras grandes obras primas: “Os sofrimentos do jovem Werther”. Acredito que não será uma tarefa muito difícil, ainda mais que escrevo a alguém a quem quero tanto bem, você, meu amável outono. A vida desenrola-se 24 horas por dia, a existência é um grande laboratório e as explicações estão nas entrelinhas. Vigiarei o acaso.

Pois bem, hoje assisti a um filme que dizia, ao final de tudo, que a felicidade está mesmo é nas coisas simples. Outro dia ouvi uma prazerosa crônica de Salomão Shartzman, onde ele concluiu que a felicidade só era possível depois dos 40. Ontem à noite, numa festa, alguém do meu lado reclamou da ditadura da felicidade, e que achava péssimo não poder assumir a sua tristeza. Argumentava ele que, se o fizesse, seria censurado por pessoas nem tão felizes assim, mas que numa atitude quase que desesperada gritavam a sua “alegria aos quatro ventos”. Naquele momento, a argumentação do desconhecido me pareceu tão verdadeira... mas algumas horas foram suficientes para perceber que tudo aquilo não passava de retórica.

O difícil não é ser feliz. O difícil mesmo é dar se conta disso.

Marcos Hinterholz