domingo, 29 de janeiro de 2012

V Epístola ao Outono


Outono,

Amanheci com uma vontade muito grande de pensar a indiferença em que muitos vivem. Alheios a tudo e a todos, vivem seus dias intocáveis, anestesiados. Não interagem com as cabeças pensantes, as bocas falantes e brigantes, que loucas, parecem querer forçar as múmias á lutar e resistir aos abusos de mentes selvagens e desumanas, que são poucas, mas capazes de fazer estragos tremendos. Meu desejo de pensar esta indiferença de que falo, foi aceso, incendiado, por uma citação de Gramsci, que li outro dia:

Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

Mas quando paro e leio expressões tão grandes de ousadia, resistência e luta, vejo que qualquer ato por mim empreendido, torna-se nada. Vem-me a mente, como fantasmas, várias situações em que calei quando deveria ter gritado. Não tenho, pois, propriedade alguma para falar do assunto. Resta-me dar voz a outros, que falarão por ti e por mim, amor Outono. Carlos Marighela diz no seu “Rondó da Liberdade”:

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Hoje falei pouco, porque mais tive a ouvir do que a dizer. E cheio de saudades, deixo-te uma idéia de João Guimarães Rosa sobre coragem, mas também sobre a vida, essa coisa que nós dois tanto gostamos de pensar. Que sejam bons os teus dias.

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".


Marcos Hinterholz
Janeiro de 2012